Olá pessoal!
Hoje vou falar um pouco sobre a personagem Norma Bates, da série Bates Motel. Ela é mãe de Norman Bates.
Esta série não é suave, pelo contrário, é pesada, bem pesada. Ela fala sobre crimes, mentiras, distorções, transtornos de personalidade, etc. Mostra um caminho pelo qual a “sombra” invadiu e destruiu a vida de muitas pessoas. A série é baseada no romance Psycho de 1960, escrito por Robert Bloch e retratado pelo filme “Psicose” de Alfred Hitchcock. É como se a história se passasse em uma realidade alternativa em que mostra um possível passado de Norman Bates, como se fosse antes dos eventos retratados no filme de Hitchcock, só que no mundo contemporâneo.
A série foi conduzida com muito cuidado, os detalhes, os cenários são lindos, os personagens foram construídos com bastante profundidade, a trilha sonora acompanha bem as situações e provocam emoções bem coerentes com as cenas.
Bem, a história é envolvente, trágica, dramática, triste e funciona bem, ou seja, é fiel à sua proposta quando provoca até a revolta de quem está assistindo.
Norma e Norman viviam com o segundo marido dela e pai de Norman numa outra cidade, mas seu marido morre aparentemente esmagado sob uma estante na garagem. Ela e o filho então recebem o dinheiro do seguro e se mudam para a cidade de White Pine Bay que ficaria no Oregon, EUA. Lá Norma apresenta ao filho uma propriedade que comprou com o objetivo de fazerem desta um hotel e recomeçarem suas vidas.
Vou focar na mãe de Norman, a Norma Louise Bates.
Essa personagem é construída de tal forma que desde as primeiras cenas já diz muito de como as coisas irão se desenrolar. Ela é uma mulher linda, encantadora, atraente, sedutora e com muitos problemas.
No inicio da série já mostra o quanto ela é ligada ao filho Norman, de 17 anos, e isso vai se mostrando cada vez mais patológico e bizarro.
É possível perceber que a visão de Norma com relação ao filho é totalmente distorcida. Uma das principais coisas que ela não enxerga é que ele cresceu. Ela não enxerga e não aceita que ele é um rapaz que está crescido. Ela simplesmente nega isso. Esse mecanismo de defesa da Negação funciona com exagero, ou seja, é uma total negação da realidade, e por isso patológico. Em algumas cenas é possível imaginar ele como criança, e aí ficaria mais compreensível o comportamento dela com relação à ele.
Norma sempre coloca que sua prioridade é construir uma vida nova para eles nessa cidade onde acabaram de se mudar. Ela justifica muito suas ações com essa narrativa, de que quer sempre o melhor para eles. Em alguns momentos, suas qualidades aparecem. Ela poderia ter sido uma excelente mãe, demonstra ser bastante carinhosa, atenciosa, engraçada, mas seus conteúdos internos mal trabalhados se sobressaem e mostram como o mal pode entrar na vida das pessoas que não se responsabilizam por suas questões e história, que não procuram ajuda de um bom profissional para elaborar suas questões, que negam o que lhes aconteceram.
Ela fica alienada quando nega que o filho é um rapaz que precisa crescer e se desenvolver normalmente. Não dá espaço à ele para que ele tenha relacionamentos com outras pessoas, especialmente com mulheres, vivenciando sua sexualidade com naturalidade. Há diversas cenas em que ela demonstra um ciúmes possessivo e doentio, prejudicando algo que seria saudável para o filho. Ela sempre justifica suas ações dizendo que está cuidando dele, mas ela não teve bons parâmetros para saber o que realmente é cuidar. Ela não foi bem cuidada e não cuidou de si mesma, então sua noção de “cuidado” é totalmente distorcida e inadequada.
Ela tem vários outros problemas graves. Ocorrem diversas situações terríveis em que ela é vítima de crimes e comete crimes, mas por excessiva preocupação com a “imagem” ou os negócios do hotel que estavam abrindo, apenas justificativas para não lidar com assuntos difíceis de serem encarados, ela decide encobrir esses crimes e faz o filho participar e ser seu cúmplice.
Mas vejam tamanha distorção. Ela acredita que esconder situações como essas seria melhor. Melhor para quem? Ao invés de cuidar, ela está descuidando completamente. Descuidando de sua própria integridade, descuidando de suas próprias feridas emocionais, descuidando de seu filho, de sua relação com seu filho, descuidando da integridade do filho, adoecendo relações…e a lista de descuidos graves vai longe…
Quando Norma toma esse tipo de decisão e ainda por cima envolve o filho Norman nisso, ela contribui para que ele “empurre” (reprima) essa situação para a sombra. Ela alimenta no filho a capacidade de mentir, de se alienar, de não lidar com a verdade, de ser desonesto e de encobrir crimes. Com essa atitude de não lidarem com os fatos, com a realidade, eles pagam um “preço” muito alto. Pois a Totalidade do ser humano exige integridade. Não importa que os outros não soubessem o que aconteceu, ela e o filho sabiam! A consciência deles sabia! Além das consequências desastrosas da mentira em si com o mundo concreto, com as autoridades e outras pessoas que vão sendo envolvidas nas situações, ela como mãe dá esse péssimo exemplo para o filho de como “resolver” as coisas.
No decorrer da série vão sendo revelados segredos terríveis a respeito de seu passado.
Norma teve uma família totalmente desestruturada. Seu pai era alcoólatra, agressivo e sua mãe parece que tinha uma depressão grave, muito ausente para os filhos.
Ela tinha um irmão e na infância eles eram muito unidos. Se apoiavam um ao outro para sobreviverem diante da terrível realidade em que viviam. E o resultado disso foi que acabaram tendo relações sexuais incestuosas. De início eles eram crianças e não sabiam o que aquilo significava. Em algum momento Norma se deu conta de que aquilo “era errado” e tentou parar, mas seu irmão não aceitou e a violentou. Até que ela engravidou dele e fugiu. Casou-se com um homem, que foi seu primeiro marido, e disse que o filho era desse homem. Esse filho, Dylan, aparece depois na trama, o irmão de Norman.
Bem, aqui já dá para ver o cenário terrível em que ela cresceu. Os modelos que tinha de relacionamentos eram agressivos, abusivos, simbióticos (irmão), inconscientes e sombrios.
Norma continua sua vida “tentando acertar”, mas continua replicando, de outras formas, os males que sofreu. Ela nunca encarou os traumas de frente, sempre fugiu e os negou, nunca lidou com eles ou os elaborou, minimamente que fosse.
Ela estabelece uma relação simbiótica com o filho Norman, invade a mente e a privacidade dele. Não há limites. Ela não consegue e não quer ver. De certa forma ela replica com o filho a relação simbiótica que tinha com o irmão. Ela não tem relações íntimas com o filho, mas ela invade ele em todos os outros sentidos de forma incestuosa. É um “estupro emocional”. Ela se mescla a ele, vive em função dele e para ele e exige que ele faça o mesmo. Ela o protege em excesso, nega a realidade, faz conluios de mentiras e o escraviza com seus jogos emocionais insanos. Mencionando Freud, está explícita a vivência entre mãe e filho de um Complexo de Édipo exagerado, inconsciente e patológico.
Sabendo o histórico da família deles, podemos considerar que o Norman possivelmente herdou a tendência hereditária de possuir sérios transtornos, que depois se manifesta nele como um transtorno dissociativo de identidade (múltipla personalidade). Mas a Norma com suas atitudes o adoece ainda mais. Se ele tinha alguma chance de ser uma pessoa “normal”, ela acaba com essa chance quando o cria do jeito que criou.
E aqui há algo de muito importante a ser dito. Sabe aquela frase conhecida em que se diz “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.” Jean Paul Sartre .
Então ela teve uma história trágica. Mas o pior foi ela nunca ter procurado ajuda para elaborar essas questões.
Ela nunca conversou com alguém claramente sobre o que aconteceu, sobre as coisas que sofreu. Ela nunca buscou uma terapia, um bom profissional que a auxiliasse de verdade a lidar com tantas cargas difíceis e pesadas que ela carregava.
Ela nunca se responsabilizou pelas situações, nunca encarou de frente. Tinha como hábito negar, fugir, mentir, trapacear, manipular etc. Todos mecanismos sombrios que só alimentam o mal.
É bem nítido perceber que ela tem características que são bem positivas, ela tem energia, ela se comunica bem, ela é carismática, consegue ser adorável em muitos momentos. É bem possível pensar que se ela tivesse discernimento, tivesse se trabalhado, feito terapia, buscado se conscientizar de suas questões, talvez ela tivesse feito diferente com o filho. Talvez ela tivesse feito diferente com sua vida. Mas por ela nunca ter realmente buscado por ajuda, reconhecido que haviam situações muito ruins ali que estavam acontecendo, ela só tomou decisões ruins, só promoveu o pior para ela, para o filho, para os outros e alastrou o mal em sua vida e ao redor.
Bem pessoal, essa análise pode ser de grande valia para você e/ou alguém que esteja ao seu redor. Em maior ou menor grau, você pode ter questões ou conhecer alguém que tenha questões importantes, internas, até de experiências, vivências, traumas e que precisam ser trabalhadas para serem melhor compreendidas, trazidas à luz da consciência. Quando você busca e se propõe à trabalhar sua questões, você pode construir um espaço de ampliação, de elaboração e de transformação.
Pois bem, o ano está começando agora e sugiro que uma de suas metas seja você começar já esse processo de autoconhecimento, de análise e de transformação. Te desejo o melhor!
Espero que vocês tenham gostado!
Me visitem nas redes sociais para acompanhar meu trabalho e inclusive me dar um retorno sobre o que acharam dessa leitura!
Até a próxima!
Alessandra M. Esquillaro
Texto para o Blog Psicologia em Séries 8 ed.