Análise do Filme Manchester à Beira Mar

O protagonista perdeu seus três filhos pequenos – um menino bebê e duas meninas – num incêndio acidental causado por ele. Acredito que não seja necessário detalhar a circunstância de como o incêndio aconteceu, então discorrerei sobre o ponto em que acho que ele se deu conta de verdade do que tinha acontecido, que foi após dar o depoimento aos policiais e tentar se matar com um revolver.
Na minha visão ele fixou-se ali num luto complicado.


É nítido o tamanho da culpa que o toma profunda e permanentemente. Ele não conseguiu se matar fisicamente, porém sua alma se estagnou, paralisando-o de sentir qualquer coisa, a não ser raiva e tédio.


O filme começa com sua segunda perda importante, que é seu irmão. Deixando um sobrinho órfão e com um testamento que o obriga a ser seu tutor, coisa que ele não consegue assumir inteiramente. Dá pra perceber que ele se preocupa com o sobrinho, mas é algo que ele não aprofunda. Ele aceita ficar com o sobrinho, mas com a condição de que o sobrinho vá morar com ele em outra cidade, porém o menino não aceita essa condição, pois tem sua vida estabelecida ali, seu ambiente, as pessoas, as relações estão todas ali. É como se o menino já tivesse uma perda muito significativa para ter que perder as outras coisas também.


O protagonista até tenta arrumar algum emprego na região, para ver se haveria algo que o ajudasse a ficar, porém sem sucesso. Ao final ele consegue que o sobrinho seja adotado por um casal de amigos de seu irmão falecido, e o menino fica então na cidade de origem.
O protagonista não aprofunda nada, nenhuma discussão, nenhuma conversa, nenhuma conexão ou relacionamento. Ele não consegue se comprometer.


Há uma cena tocante em que sua ex-mulher – que também perdeu as crianças naquele fatídico incêndio – o encontra na rua e se declara a ele. Ela que já está casada com outra pessoa, que acabou de ter outro bebê, que conseguiu continuar a vida, diz a ele que ainda o ama. Ela que teria motivos óbvios para o culpar, para odiá-lo e excluí-lo de sua vida. Mas ela conseguiu superar de alguma forma melhor do que ele, pois conseguiu estabelecer outro relacionamento e continuar em frente. Só que ela ainda o ama, e ao vê-lo demonstra que estaria disposta a ficar com ele depois de tudo. Mas ele diz que não sente nada, e deveras é isso mesmo que ele deixa transparecer, não restou nada.


A impressão é de que ele vive um dia após o outro, um movimento depois de outro, buscando confusão e briga quando possível, principalmente com homens desconhecidos, como se buscasse uma punição para apaziguar a culpa eterna em que ele vive. E nos outros campos tudo estagnado, um trabalho de zelador, de consertar coisas na casa dos outros, parece algo sem sentido pra ele, como se nada o atingisse, como se o desejo estivesse morto. E ainda posso pensar que talvez esse trabalho de consertar as coisas pudesse ser uma busca inconsciente de, lá no fundo, poder consertar alguma coisa dentro dele, ou dentro de suas reminiscências.


Lendo o livro do Bowlby, volume 3 da trilogia Perda: tristeza e depressão p. 25, me deparei com uma ideia que me chamou a atenção e sinto que reflete em algo o que ele estava vivendo ali: “O medo, diz ele, pressupõe a esperança. Só quando lutamos e esperamos por coisas melhores é que ficamos ansiosos, por medo de não consegui-las. ¨Adeus portanto à esperança e, com a esperança, adeus ao medo¨, escreveu Milton.”


Ou seja, ele não sentia mais nada, inclusive medo, nada. Fiquei impactada com o filme. Uma tragédia realmente, totalmente compreensível o estado dele diante disso.
Também fico pensando que a própria ocasião do acidente, do incêndio que matou seus filhos, naquela situação com os amigos bêbados, drogados, fazendo arruaça dentro de casa, de madrugada, significa muita coisa. Ele já era um pai de família, mas seu comportamento deixava claro uma imaturidade e dificuldade em assumir um papel de responsabilidade perante suas obrigações, e a situação que se deu com o acidente e seus efeitos o submergiram em uma situação de culpa irreparável.

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